‘Morto não fala’ bate na trave ao mostrar bom terror, mas muitas referências

 em cinema e tv

Filme de Dennilson Ramalho tropeça ao mostrar amálgama de subgêneros

O cinema brasileira de terror deve muito a Zé do Caixão, grande mestre do gênero cujas influências repercutem em produções amadoras ou profissionais. Dennilson Ramalho mostra ser um discípulo competente de José Mojica Marins com o seu Morto não fala, que teve estreia em 2018 no Festival do Rio e  entrou em cartaz oficialmente nos cinemas desde o início de outubro deste ano. A trama é simples: Stênio (Daniel Oliveira) trabalha em um necrotério em São Paulo e tem o dom de se comunicar com os mortos. Quando os corpos estão na mesa do IML, Stênio conversa frivolidades com os desencarnados, com diálogos variados.

Morando em um bairro periférico da capital, sua vida é cuidar dos seus dois filhos do jeito que é possível, enquanto sua esposa Odete (Fabiula Nascimento) mostra desinteresse pelo casamento. Stênio então transita quase sempre entre a padaria de Jaime (Marco Ricca) e os cadáveres no Instituto Médico Legal ouvindo seus segredos, que jamais podem ser contados a quem vive. Só nesta premissa, o roteiro de Ramalho com Cláudia Jouvin, baseado nos contos de Marco de Castro, tinha tudo para apresentar algo inovador e interessante. O resultado, porém, é um amálgama pouco robusto entre o que foi produzido aqui e filmes estrangeiros do gênero.

Quando Stênio quebra a relação com os mortos, vê-se vítima de um espírito vingativo, um clássico dos filmes japoneses de horror, e Morto não fala descamba para essa narrativa, com alguma pitada de comentário social aqui e ali. Contar mais do que isso seria desserviço. As situações e anseios periféricos, que poderiam render mais camadas ao que é apresentado, são pontuadas em cenas esparsas, sem muita profundidade. Nessa toada, a produção acelera e freia com intensidade, como quando vê uma solução criativa (no meio do texto) para o destino de Lara (Bianca Comparato).

O elenco, aplicado, aproveita o tempo de tela. Mas é a relação entre Daniel de Oliveira e Fabiula Nascimento qie merece destaque, principalmente pela química dos dois. Oliveira entrega um personagem denso dentro do que é possível no roteiro e Fabiula fica entre o clichê francamente proposital e, portanto, louvável, e a canastrice, resultando em outra boa atuação. Tecnicamente, quase tudo é acerto, mesmo os efeitos digitais que mostram as falas um tanto claudicantes dos mortos. A fotografia cinzenta e os ambientes inóspitos criados e reais da direção de arte deixam clara a espiral de loucura que vai transformando a vida do protagonista, e há bons sustos (e, claro, clichês como som aumentando) no caminho.

Ainda assim, o filme esbarra em si mesmo ao não escolher direções claras. Na tentativa de formar uma mitologia forte, o diretor mistura referências demais e soluções de menos. Morto não fala é bom exemplo de terror nacional, mas bate na trave em suas intenções.

Avaliação: Bom

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