‘O Farol’: um exame feroz da loucura

 em cinema e tv

Segundo filme de Robert Eggers consagra diretor como uma das boas vozes do cinema de gênero

Há cinco anos, Robert Eggers surgia com A Bruxa, filme de horror que fez sucesso em festivais e entre a crítica ao defender um subgnênero esquecido tempos atrás em um roteiro conciso, de final surpreendente. Contemporâneos de Eggers, nomes como Ari Aster (Hereditário, Midsommar – O Mal Não Espera a Noite) e Jennifer Kent (O Babadook, The Nightingale), tiveram boas estreias e se consolidaram com suas ‘sequências’, tornando-se referências do chamado “novo terror”. É o que o cineasta americano alcança em O Farol (2019), exibido pela primeira vez em festivais no ano passado e finalmente estreando nas salas de cinema do país.

A história centra-se na rotina de dois homens em uma ilha remota da Nova Inglaterra, em 1890, para manter um farol funcionando por um mês. Desde o primeiro momento, a relação entre Thomas Wake (Willem Dafoe) e Ephraim Winslow (Robert Pattinson) é singular. O primeiro, um veterano capitão de navio, toma Winslow como empregado e rapidamente uma relação abusiva tem início em meio a condições cada vez mais insalubres. Com influências vão do clássico literário Moby Dick ao cineasta Dziga Vertov, o diretor evoca de cara a aurora do próprio cinema optando pelo formato de quadrado e a fotografia em preto e branco, ora enevoada propositalmente, ora marcante em momentos-chave em um estudo acelerado sobre a loucura.

Analisar a condição humana está no cerne das produções de Eggers, cuja trama foi coescrita com seu irmão Max. Se em A Bruxa as consequências de atos impensados levam seus personagens à ruína, em O Farol eles estão entregues no primeiro minuto e são tragados para uma espiral acelerada de confronto e sofrimento. Entre o isolamento e as conversas que marcam a vida da dupla, o ressentimento cresce entre abusos e segredos guardados de ambos os lados, e a tensão vai sendo comandada com maestria. Há muitos pontos onde o filme parece caminhar para uma direção e surpreende positivamente ao apresentar uma virada um tanto inesperada antes de seu terço final. Se não é exatamente inovador, o cineasta defende seus pontos de vista muitíssimo bem e descansa na simplicidade.

Quem se aproveita da atmosfera habilmente moldada são os atores, com o cenário praticamente ao dispor deles. A química entre Robert Pattinson e Willem Dafoe é primorosa e este aproveita ao máximo seu tempo de tela. O veterano entrega uma performance assustadora e contundente, quase um pleonasmo em seu caso, suas muitas caras e bocas encontrando eco no seu pupilo. Pattinson, vivendo um grande momento em sua carreira, mostra força principalmente quando sua passividade melancólica converte-se em rompantes físicos e psicológicos, que lembram Daniel Day-Lewis em Sangue Negro (2007). De resto, tudo é tecnicamente assombroso, incluindo os momentos “sobrenaturais” aqui e ali.

Entre seus protagonistas há dança, risos, falas, discussões e insinuações homoeróticas, que se intensificam quando ambos se abrem em processos repetitivos, cada qual escondendo um bom diálogo. Conforme o mundo vai, literalmente, acabando-se ao redor deles, ainda sobra espaço para Eggers exercitar sua veia cômica, também tornando seu filme igualmente mais claustrofóbico. Não há meio termo: junto à loucura, há o perigo de talvez saber demais ou muito pouco sobre si mesmo e iluminar-se sem estar preparado para encarar-se no espelho, a própria metáfora que O Farol carrega consigo.

Avaliação: Ótimo

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