Por que ‘Infiltrado na Klan’ é o melhor filme de 2018
Spike Lee volta com sua melhor produção desde ‘Faça a coisa certa’. ‘Infiltrado na Klan’ é um manifesto em nome da empatia, amor e resistência que emociona
O racismo estrutural é um grave problema em todo o mundo. Em terras brasileiras, o preconceito é dito ‘velado’, mas se manifesta em brutais ações policiais, julgamentos injustos e rompantes de fúria registrados nas redes sociais. Nos Estados Unidos, o buraco é quase tão fundo quanto aqui: há as mortes diárias em brutais ações policiais, julgamentos injustos e rompantes de fúria registrados nas redes sociais. Com casos cada vez mais absurdos e a constatação triste de que outros mais virão em qualquer parte do planeta, o bom cinema segue com a função de provocar reflexões e emocionar. ‘Infiltrado na Klan’, novo filme de Spike Lee, cumpre as tarefas com louvor e é o melhor filme de 2018.
A história, baseada em fatos reais, mostra como o policial negro Ron Stallworth (o bom estreante John David Washington) se fez passar por um agente da lei branco e se infiltrou na Ku Klux Klan, a organização supremacista fundada no século XVII e que possui ramificações até hoje. Com a ajuda do colega judeu Flip Zimmermann (Adam Driver, excelente), a investigação de Stallworth ajudou a descortinar as relações perigosas entre ‘a Organização’ e o governo dos EUA, em um roteiro que preza pelo humor — sempre usado a favor da trama, bom frisar — e o próprio absurdo das situações mostradas com afinco e precisão cirúrgica a cada frame.
Com justiça, o cineasta, o roteiro e Driver devem ser figurinhas fáceis noOscar 2019. Lee constroí em ‘Infitrado na Klan’ uma atmosfera densa aos poucos, brincando com as expectativas do público e pegando desprevenido os menos atentos. O recurso do humor tem suas nuances: você se verá rindo (de nervoso) dos maiores absurdos e, segundos depois, a reação será de imediato desconforto na maioria das vezes — e é fácil entender o porquê. Não é um cinema raivoso, como ele já o fizera em outras produções, mas politicamente centrado e objetivo. Há um personagem policial extremamente racista que pouco aparece, mas o filme toma cuidado para dizer que ele é a exceção e não a regra (é claro que ele recebe o que deve), porque sua mensagem é simples: união e amor.
Quanto mais Ron e Flip se aprofundam na Klan, maior o risco e os absurdos vividos, os diálogos com os supremacistas brancos, especialmente o chefão David Duke (interpretado com afinco por Topher Grace) assustam por se mostrarem extremamente familiares ao nosso quadro atual. Em certa passagem, um superior comenta com Ron que o objetivo do grupo é subir os altos escalões do governo e o agente ri e dá de ombros: ‘Os americanos jamais votariam em um presidente assim’, diz. O sargento devolve: ‘E por que você não acorda?’. É exatamente a reação a frases como essa que Lee quer provocar, já que a incredulidade, a mentira e o absurdo são irmãos siameses em 2018. Se há confronto, é com a importância da verdade e o aterrorizante avanço da mentira e do conformismo e daí vem o grande alcance e a importância do filme.
No início e meio do caminho Lee cita ‘E o Vento Levou‘ e ‘O Nascimento de uma Nação‘ para mostrar seu ponto do quão idiota é o preconceito e há uma certa ‘simpatia’ no enquadramento de membros da Klan, mas somente para mostrá-los como figuras altamente detestáveis e nocivas que são. No decorrer de ‘Infiltrado na Klan‘, a empatia se torna a única opção para Flip, um judeu que sempre se viu como ‘um garoto branco’ até se ver ameaçado pelos supremacistas, não sem antes ser alertado por Ron, que viveu (e viverá) o racismo por meios violentos. Flip, afinal, somos nós, todo espectador branco que se identifica como antirascista e se indigna com os meios virulentos de tratamentos aos negros, mas não o suficiente.
A sequência final, que mostra uma espécie de ‘destino’ para Ron Stallworth e que se ancora em fatos reais da tragédia de Charlotesville, incluindo o discurso surreal de Donald Trump e uma outro conjunto de imagens tão aterrorizantes quanto necessárias, é o motivo de Lee ter nos levado até aqui. Ele não tem todas as respostas, mas certamente quer que deixemos a sala de cinema pensando, tão emocionados quanto amedrontados, no que fazer a seguir.
Avaliação: excelente