‘Rasga Coração’ expõe conflitos de gerações
Adaptada da obra teatral de Oduvaldo Vianna Filho, escrita em 1974 e censurada pela ditadura, filme é atemporal e se encaixa nos tempos sombrios que enfrentamos
‘Rasga Coração’, filme de Jorge Furtado, é um retrato dos tempos atuais, onde lutas por direitos são travadas numa sociedade onde velhos problemas ainda persistem. Adaptada da obra teatral homônima de Oduvaldo Vianna Filho, escrita em 1974 e censurada pela ditadura militar, a narrativa é atemporal e se encaixa perfeitamente nos tempos sombrios que enfrentamos.
A história é centralizada na relação entre pai e filho, Custódio (Marco Ricca) e Luca (Chay Suede). Enquanto o ex-militante que tinha a alcunha de Manguari Pistola na juventude revive a nostalgia e questões mal resolvidas de suas lutas contra a ditadura, o jovem tem outras causas, como a prática do veganismo, critica a indústria que “mata os bichos” e reivindica o direito de usar saia no colégio, no qual é alvo de perseguição de uma administração conservadora.
Ambientado quase que totalmente dentro do apartamento da família, o filme acerta ao usar de linguagens metafóricas para levantar questões que assombram o hoje burocrata Custódio. O homem que lutou e foi torturado, hoje trabalha no Tribunal de Contas do Estado e tenta, a sua maneira, resolver problemas ligados à sociedade. O humor é uma válvula de escape em diversos momentos.
Ao mesmo tempo, o hoje pai de família não consegue entender as lutas atuais, defendidas pelo filho. Além disso, o conformismo da mulher, interpretada por Drica Moraes, afeta ainda mais Custódio, que se vê numa encruzilhada psicológica provocada pelo conflito de suas crenças e atitudes.
A contradição das lutas que travam com as atitudes de pai e filho ficam evidentes ao longo do filme, mostrando conformismo e hipocrisia de ambos, mas sem transformá-los em caricaturas. Aliás, o bom roteiro de Furtado, Ana Luiza Azevedo e Vicente Moreno, somada às excelentes atuações de Marco Rica, Chay Suede e Drica Moraes, faz ‘Rasga Coração’ ser imperdível.
Na peça de Oduvaldo Vianna Filho os ambientes dos militantes são Estado Novo (pai) e ditadura militar (filho), enquanto a narrativa cinematográfica é conduzida através do flashback da luta na ditadura de 1964 (pai) e os tempos atuais (filho).
Enquanto Manguari Pistola lutava por liberdades básicas, totalmente reprimidas na época, o filho Luca tem causas comportamentais, sinais da evolução das lutas. Entretanto, como tenta mostrar o filme, a essência das reivindicações é a mesma, tendo como base velhos problema, como o conservadorismo.
Mesmo com suas militâncias, os personagens são colocados à prova quando confrontados com preconceitos, como a homofobia e o racismo. Outro ponto colocado no filme é até que ponto somos capazes de abrir mão de nossos privilégios em prol de um bem maior, além da importância do afeto.
Filme ainda conta as ótimas atuações de George Sauma, Luisa Arraes e João Pedro Zappa. ‘‘Rasga Coração’ está disponível no no Canal Brasil e Telecine.
Avaliação: Bom