‘Sergio’ é uma linda história de amor, mas fica devendo mais sobre legado do diplomata brasileiro

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Obra da Netflix de ficção misturada com fatos reais foca na história de amor entre o brasileiro Sergio Vieira de Mello e a economista argentina Carolina Larriera, perdendo muito tempo com narração não-linear, que fica cansativa

 

“Sergio”, disponível na Netflix, é, em tese, uma linda história de amor. Tanto da relação do diplomata carioca com a economista argentina Carolina Larriera, quanto pelo seu empenho em defender seus ideais humanitários atuando pela Organização das Nações Unidas (ONU). Entretanto, o grande legado do brasileiro na defesa dos direitos humanos e da democracia ficam em segundo plano. 

A narração não-linear, que até poderia funcionar, fica cansativa, arrastada e as vezes se perde. O foco fica no ataque de um carro-bomba feito pela Al Quaeda à sede da ONU no Iraque, onde Mello estava como representante especial da organização e acabou morto com outras 21 pessoas. E o filme perde grande parte do tempo nesse flashback.  

Sergio foi enviado para ajudar na negociação para reconstrução do país após a queda do ditador Saddam Hussein. Entretanto, o brasileiro discordava da atuação dos Estados Unidos no Iraque e isso fica evidente no filme. Os americanos invadiram o país após os ataques de11 de setembro de 2001, mas até hoje as motivações da invasão são alvos de questionamentos. 

Essa colisão entre Mello e a representação americana no país poderia ser melhor explorada, assim como as circunstâncias da falha na segurança que causou a morte do diplomata.

Ele defendia que a ocupação fosse provisória e rápida, abrindo um processo democrático no Iraque para diminuir a tensão, além do fim da violência contra iraquianos pelas forças armadas. Como sabemos, os americanos ficaram no país por oito anos e as violações foram muitas, tendo como símbolo maior o presídio de Abu Ghraib.

Wagner Moura como o diplomata brasileiro Sergio Vieira de Mello | Divulgação

O filme é baseado no livro “O homem que queria salvar o mundo: uma biografia de Sergio Vieira de Mello”, escrita por Samantha Power. Entretanto, não faz jus a sua atuação diplomática em toda a carreira, que é bem retratada na obra biográfica.

Sua história fica reduzida aos flashbacks que não condizem com a grandeza do seu legado em 34 anos em missões humanitárias pela ONU. Esse tempo poderia ser muito melhor aproveitado dando mais detalhes de sua atuação no Iraque.

Outras missões humanitárias como integrante do alto comissariado da ONU para refugiados, o que mais fez em sua trajetória, também poderiam ser melhor exploradas. Ele esteve presente em momentos históricos da segunda metade do século 20, sempre em busca da democracia e em defesa dos direitos humanos em países dominados pela repressão e terror.

Uma delas, no Camboja, lembrada superficialmente no filme, poderia ser mais aprofundada, principalmente de sua “amizade” com um dos líderes do Khmer Vermelho, Ieng Sary, com quem estudou em Sorbonne, em Paris. Um breve diálogo entre os dois quando ele atuava para resgatar refugiados no país do Sudeste Asiático é mostrado no filme.

Poderia também ser destrinchada sua juventude. A entrada na UFRJ, a ida para a Europa para acompanhar o pai também diplomata (Arnaldo Vieira de Mello), os estudos na França  onde se formou em filosofia, as lutas nas ruas de Paris no turbulento 1968 — quando acabou preso e ganhou com uma cicatriz acima do olho direito que o acompanhou por toda a vida. Toda essa narrativa poderia ajudar a compreender a escolha que o afastou dos filhos em nome de seus ideais de mundo justo, humano e de paz. 

Sergio Vieira de Mello no raro momento com os filhos no filme | Divulgação

O ponto alto de “Sergio” são as atuações. Wagner Moura consegue caracterizar bem o papel do diplomata brasileiro, desde seu lado galanteador, com o seu sorriso largo característico, até nos momentos de tensão em decisões diplomáticas. 

A grande atuação da atriz cubana Ana de Armas como a economista argentina Carolina Larriera é outro destaque, que ajuda a conduzir o enredo da relação amorosa dela com o diploma como o melhor do filme.

Moura e Armas protagonizam boas cenas, como eles dançando ao som de Cartola e quando Larriera leva o brasileiro, então administrador do governo de transição no Timor Leste, para conhecer o povo em sua essência. Mello houve o pedido de uma cidadã do país, que emociona. A tomada seguinte, do beijo de ambos na chuva, é lindíssima. 

Não é demérito o mergulho na relação de Mello e Larriera, pois ela têm sua importância. Ambos estavam em um relacionamento de quase quatro anos e planejavam se casar naquele 2003. 

Após a morte dele, para ter sua relação com o diplomata reconhecida, a argentina enfrentou uma briga judicial que só acabou 14 anos depois, em 2017. O amor que Mello empregou em seu trabalho humanitário é o mesmo dedicado a sua companheira, e o filme mostra bem isso.

Ana de Armas e Wagner Moura em cena de ‘Sergio’ | Divulgação

Mas, como já foi dito, o diretor Greg Barker poderia aprofundar mais o legado desse grande brasileiro, que hoje é referência em diplomacia e defesa dos direitos humanos, mudando desde então o perfil da ONU em suas missões.

Barker também é diretor do documentário com o mesmo nome homônimo e que conta a história do diplomata, de 2009. Muito mais completo, diga-se de passagem. Ok, obras com abordagens diferentes, mas mesmo com passagens e personagens fictícios, Mello merecia mais. E nós também. Principalmente nos dias atuais, onde precisamos tanto de exemplos de lideranças (principalmente no Brasil) para lutar contra um inimigo em comum: o novo coronavírus. 

Avaliação: Bom

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