Tarantino refaz história de ‘Era Uma Vez em…Hollywood’ em estreia literária

 em cinema e tv, literatura

Livro destaca seus três personagens principais e as relações entre eles e a indústria cinematográfica

Era Uma Vez em…Hollywood, nono e presumidamente penúltimo filme de Quentin Tarantino, dividiu a crítica e o público (nós gostamos) quando estreou em 2019. Lido por alguns críticos como uma carta de amor à industria cinematográfica americana e ao american way of life até a virada para o movimento ‘Nova Hollywood’ e vetor de uma suposta guinada ao conservadorismo pelo diretor, o filme rendeu a Tarantino premiações e acenos da própria indústria, gerando controvérsias na mesma medida. A discussão se concentrou principalmente nos diálogos ácidos entre o ator em queda Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) e seu amigo dublê faz-tudo Cliff Booth (Brad Pitt) sobre a cultura hippie, na cena onde o cineasta reescreve a História mais uma vez eliminando parte da ‘Família Manson’ e na caracterização de alguns personagens, notadamente Bruce Lee e a própria Sharon Tate; o primeiro humilhado pelo personagem de Pitt e a segunda interpretada magistralmente por Margot Robbie quase como um elemento angelical, com poucas falas e tempo de tela.

Tarantino, em sua estreia literária, refaz Era Uma Vez em…Hollywood aparando arestas, retirando até a elipse, e principalmente aprofundando seus personagens e a relação de seu trio principal com o cinema. O resultado é aquém de seu filme, mas mostra que o agora escritor continua afiado, habilmente construindo diálogos realistas e diretos, retratando passagens memoráveis e acrescentando novas camadas à sua fantasia.

Dalton, Booth e Tate ganham capítulos que destacam suas personalidades; o ator é um produto do conservadorismo político e inicialmente rejeita com veemência fazer parte de um spaghetti western, versões italianas de faroeste americanos com forte conteúdo político; o dublê é um assassino e veterano de guerra com gosto para os filmes de Akira Kurosawa e a atriz segue descrita como um elemento quase etéreo e igualmente humana e carismática. As bases do livro são essas relações entrelaçadas com o amor e conhecimento enciclopédico de Tarantino pelo cinema, que se encontram na maioria das páginas.

A narrativa modifica diversos aspectos do filme. Tarantino abre um capítulo para descrever o modus operandi da Família Manson em Hollywood, com destaque para a atuação de Pussycat (Margaret Qualley), mostra a obsessão de Charles Manson (Damian Herriman) com sua carreira musical apresentado-o não como um sonhador, mas um maníaco-obsessivo (e portanto, potencial assassino em série) e descreve o futuro de Dalton após a bela cena de encontro com Sharon. Há ainda, com justiça, uma descrição detalhada da luta entre Booth e Lee, onde o cineasta desfaz o “mal entendido” da produção. Tudo é escrito como uma novela ‘pulp’, livros baratos com histórias policialescas ou fantásticas, que serviram de base para Pulp Fiction. E se Era Uma Vez…em Hollywood é seu filme mais meta, o livro também não foge das referências à filmografia de Tarantino, com surpresas para os acólitos.

Nesse sentido, o que se sobressai é como o cineasta escolhe seus pontos focais. As mortes dos membros da Família Manson são brevemente citadas no meio do livro, com uma descrição simples do incidente. A participação de Rick Dalton no programa Lancer é explorada, sem uma das melhores cenas do filme, e o próprio show ganha um meta-capítulo, onde Tarantino explora o mundo de faz de conta do Velho Oeste outra vez, com a mesma habilidade e igualmente a mesma provocação. Novamente, Dalton e Booth despejam preconceitos contra os hippies, fazem piadas sexistas, misóginas e homofóbicas. Isso significa que o autor é exatamente tudo isso? Sua própria filmografia o desmente a partir de Jackie Brown, ainda que Spike Lee também tenha bons argumentos dos perigos de ser tão direto, mas nem sempre tão contundente.

Ao fim, o romance é uma boa digressão sobre o que foi a Hollywood pré-anos 70 e alguns dos personagens que construíram Hollywood e como Tarantino entende que seu próprio universo é o que mais importa em sua obra, mesmo sendo excessivamente referente, ressaltando sua mitologia.

Avaliação: Bom

Era Uma Vez em Hollywood

Lançamento: Editora Intrínseca

Preço sugerido: R$ 49,90 e R$ 34,90 (e-book)

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