‘Uma noite em Miami’ segue encontro transformador entre quatro grandes

 em cinema e tv

Filme imagina efeito de conversa sobre Ali, Malcolm X, Sam Cooke e Jim Brown

A atriz Regina King, em grande fase na carreira, estreia na direção com brilhantismo no estupendo Uma Noite em Miami, disponível na Amazon Prime, que imagina o fictício encontro e os efeitos da conversa entre quatro homens míticos: Muhammad Ali, Malcolm X, Sam Cooke e Jim Brown. O quarteto se une após uma luta de boxe do então chamado Cassius Clay (Eli Goore), antes de Ali se converter ao Islã, com Sonny Liston, valendo o título mundial dos pesos pesados. Clay, com sua técnica e espírito indomáveis, vence Liston e os personagens combinam uma “festa” no quarto de hotel de Malcolm X (Kingsley Ben-Adir), líder revolucionário desde então perseguido pelas autoridades americanas.

É 1964 e o mundo estava mudando e o filme de King captura as tensões da época e como elas se resolvem em seus personagens, cada qual lidando com o racismo e o preconceito de diferentes formas. Clay está em processo de conversão e um tanto assustado com sua própria grandeza e X o vê como um incentivador de sua nova luta pessoal. Sam Cooke (o premiado Leslie Odom Jr), um dos maiores cantores de soul de todos os tempos, se vê em uma encruzilhada artística ao ser rejeitado após uma performance no tradicional Copacabana. Jim Brown (Aldis Hodge) é um superastro da liga de futebol americano que percebe que sua transição para o cinema pode não ser tão fácil quanto imagina.

Nesse contexto, nada é por acaso em Uma Noite em Miami. O quarto de hotel remete levemente ao motel Lorraine, onde Martin Luther King fora assassinado em 1968. As conversas, ainda que fictícias, “causaram” transformações sem precedentes na vida dos envolvidos. Se este é um filme de atores, ninguém decepciona ou tenta imitar cada retratado. O embate entre Cooke e Malcolm X é um dos pontos altos, e mostra de forma didática como é tentar ser um ícone cultural negro com “o cheque assinado por brancos”. Nos demais caminhos, a conversa varia do racismo sistêmico à economia, colorismo, corrupção e fé.

O roteirista Kemp Powers, adaptando sua peça, joga fatos históricos e verdades sobre os quatro, com certa dose de emoção sem forçar naturalismo. O que Regina King e seu elenco fazem e tirar esses homens dos pedestais de onde nunca vão sair e permitir que participem mais da História, com H maiúsculo mesmo, justamente para expor suas fragilidades e humanismo. O filme tem seus momentos, alívios cômicos, mas o drama permanece atual e fala algo com movimentos civis, especialmente o Vidas Negras Importam. A diretora calcula os ganhos para os envolvidos e, principalmente, o peso da perda e entrega que tal configuração social dos anos 60, com todas as mudanças que impactariam o futuro, é perigosamente atual. O desafio, afinal, é o que fazer com o que se aprende de uma conversa.

Avaliação: Ótimo

 

 

 

 

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