Projeto faz intervenção com páginas de livros em paredes de cidades para promover a leitura
Trechos de autores clássicos, como Machado de Assis, José de Alencar e Eça de Queiroz, intercalados com os de contemporâneos, como Conceição Evaristo, Chimamanda Ngozi Adichie e João Gilberto Noll. Parece uma mistura improvável, mas é o que promove o projeto Paginário. Criada há quase cinco anos pelo escritor Leonardo Villa-Forte, a iniciativa faz intervenções artísticas em paredes de locais públicos e privados no Brasil com páginas de livros. O principal objetivo é incentivar a leitura no país.
Ao todo, o projeto ocupa 47 espaços, como muros de prédios, escolas, centros culturais e até mesmo apartamentos. Além de Leonardo, dezenas de voluntários participam da ação nas cidades. Entre os locais que já receberam o Paginário estão Teresina, no Piauí, Distrito Federal e, principalmente, Rio de Janeiro. Na capital fluminense, os moradores podem encontrar os trechos de livros em pelo menos 12 locais, como em uma das rampas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), no Maracanã. A intervenção foi realizada pela primeira vez, em dezembro de 2013, na Lapa, Centro do Rio.
Leonardo afirma que a ideia é expandir o projeto no Brasil e levar para Portugal ainda neste ano. O escritor ressalta que o Paginário é realizado sem financiadores ou patrocinadores, apenas por meio de parcerias. Para o idealizador, a ação promove a leitura, mas a literatura deve estar inserida no contexto de cada pessoa. Ele lembra ainda do período escolar, quando os alunos são obrigados a ler apenas as obras clássicas, como “O cortiço”, de Aluísio Azevedo.
“Não acredito muito em campanhas de leitura do tipo ‘Ler é bom’, ‘Ler te faz crescer’. A literatura é contágio, é sentir os dedos de uma mão invisível roçando sua pele, então desejar esse toque, e de repente perceber que essa mão criou um rombo em você e espetou seu coração. Isso só acontece com liberdade. As pessoas se traumatizam ao precisarem responder questionários sobre O cortiço quando estão com hormônios em ebulição. Pareciam fazer de tudo para ninguém gostar de ler”, completa.
O escritor conta que já pensou o Paginário sob diversas perspectivas: como ocupação, arte imagética, acesso à leitura, movimento do corpo, mosaico caótico, como precariedade material e permanência afetiva. “Atualmente, eu penso muito como ponto de encontro entre pessoas. Não só geograficamente, considerando o lugar onde o mural fica, mas todo um processo que existe antes, de envio e grifo das páginas, e dos encontros e oficinas presenciais, quando isso pode acontecer. Nesses momentos, o que fica em primeiro plano é o atravessamento que ocorre entre as pessoas que se dispõem a participar”, reforça.
Ao longo desses cinco anos, algumas colagens foram retiradas pela Comlurb e Guarda Municipal. Um dos casos ocorreu no Jardim Botânico, em 2016. “Em locais privados, eu sempre tento conseguir autorização, principalmente por um motivo: faz o trabalho durar mais”, acrescenta Leonardo.
Literatura contemporânea no Brasil
Em relação à literatura brasileira atual, o escritor explica que hoje há espaço para narrativas mais tradicionais e também para produções experimentais ou “menos engessadas”. No entanto, Leonardo diz que viver de literatura no país ainda é complicado, principalmente em relação a questões financeiras. Para ele, é preciso melhorar a promoção da leitura, da escrita e da liberdade de pensamento desde a infância.
“Vejo a literatura brasileira passando por um momento muito bom. Houve uma primeira geração (ainda produzindo, claro) que viveu o início da Internet e agora temos uma segunda geração dos tempos de Internet (da qual faço parte). Entre essas duas há diálogo e há autores construindo caminhos bonitos e com solidez. Me parece que o amadurecimento do sistema literário de um país passa pela expansão desses espaço onde experimentar é possível. Se esse espaço existir e se alargar, é porque outros estarão consolidados”, reforça Leonardo.