Aparecida, a voz dos orixás
Cantora mineira radicada no Rio é pouco lembrada, apesar do pioneirismo
Nascida Maria Aparecida Martins, em 1939, em Caxambu (MG), mudou-se ainda criança para o Rio de Janeiro. Na mesma Vila Isabel de Martinho e Noel, trabalhou como passadeira. Com os mais velhos da família, aprendeu ritmos africanos e já na adolescência começou suas primeiras composições. Foi passista no grupo de Salvador Batista por dez anos até que, no início da década de 1960, ao participar do filme “Benito Sereno e o Navio Negreiro”, ganhou uma viagem à França. Em uma boate por lá, interpretou, pela primeira vez, suas músicas.
Voltou ao Brasil em 1965, quando venceu o Concurso de Música de Carnaval do IV Centenário da Cidade do Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano, seu samba “Zumbi, Zumbi” venceu o III Festival de Música de Favela, representando a comunidade da Cafúa, de Coelho Neto, na Zona Norte. Em 1968, foi a segunda mulher, depois de Dona Ivone Lara, a vencer uma disputa de samba-enredo, com “A sonata das matas”, para a Caprichosos de Pilares.
O primeiro disco solo veio nesse meio, em 1966, quando adaptou a folclórica “A Maria Começa a Beber”, em que sauda Clementina de Jesus, e registrou parcerias com Jair Paulo, como “Talundê”, “Nanã Boroquê” e “Segredos do mar”, e também as suas “Meu São Benedito”, “Inferno verde” e “Tereza Aragão”. Esta última era uma homenagem à atriz, produtora e militante política, que ajudou a revelar nomes como Martinho e Beth Carvalho, além dela própria.
Demorou mais 10 anos para lançar seu segundo LP, “Foram 17 anos”, considerado seu grande trabalho. A faixa-título exalta a própria luta e o novo trabalho incluía canções como “Grongoiô, propoiô” (parceria com João R. Xavier e Mariozinho de Acari), “Lágrimas de Oxum” e “Diongo, mundiongo”. Destaque para a faixa “Todo mundo é preto” e seus versos “Vou chamar no meu terreiro / Pretas velhas e rei congo / Quero ver os feiticeiros / Cantar e dançar o jongo / Todo mundo é preto”. Produzido por Durval Ferreira, o álbum tinha músicos de referência, como Hélcio Milito (Tamba Trio), o ícone do sambalanço Orlandivo e o coro do conjunto As Gatas, além da participação luxuosa de Sivuca.
Nos anos seguintes, vieram “Grandes sucessos” (1977), “Cantigas de fé” (1978), “13 de maio” (1979), “Os Deuses Afros” (1980) e o derradeiro “A rosa do mar” (1983). Em 1974, também participou dois volumes dos discos “Roda de Samba”. No primeiro, registrou a sua “Boa Noite”. No segundo, que também trazia o imortal Nelson Cavaquinho, interpretou Proteção (David Lima e Pinga) e Rosas para Iansã (Josefina de Lima), esta com piano de João Donato e sopros de Marcio Montarroyos e Victor Assis Brasil. Seus fonogramas são marcados por belos arranjos para o samba e ritmos africanos, e, claro, pela religiosidade.
Faleceu em 1985, aos 45 anos. Em 1996, a gravadora CID relançou em CD o disco “Aparecida, Samba, Afro, Axé”. Apesar da considerável discografia e da arrebatadora voz, Aparecida não obteve o chamado “sucesso comercial” e nenhum desses discos está disponível nas plataformas de streaming. No Spotify, por exemplo, há apenas uma coletânea. No YouTube, colecionadores disponibilizam informalmente a obra incompleta. Mesmo assim, seu canto resiste. Neste 13 de maio, urge conhecer melhor a artista que exaltou os terreiros e a negritude, abrindo caminhos.