O Terno envolve o Circo Voador em noite de estreia
Acompanhados de um quarteto de metais irresistível, Tim Bernades, Biel Basile e Guilherme D’Almeida apresentaram, sentados, um show contagiante, apesar da sonoridade mais minimalista, em comparação aos álbuns anteriores.
Como o próprio vocalista e compositor Tim Bernardes lembrou, esse era apenas o segundo show da turnê de <atrás/além>, o quarto disco da banda paulistana O Terno. O público de calça social e camiseta lisa tomou o Circo Voador para cantar todas as músicas do início ao fim. Após passar apenas pelo Ibirapuera com ingressos esgotados, em São Paulo, o líder do trio, que conversa bastante, revela genuína surpresa: “Caralho, vocês já sabem todas as músicas mesmo”.
Com boa luz, é importante destacar também o mapa de palco. Com fundo e figurinos brancos, combinando com o conceito gráfico do novo trabalho, ficam Biel (bateria) à esquerda, Guilherme (baixo) ao centro, mais recuado, e Tim à direita (guitarra, voz e órgão), na mesma direção do baterista, todos em pura sinergia. O agora quarteto de metais, mantido e ampliado nesta tour, fica atrás, sobre um patamar exclusivo.
Passeando pela crescente discografia, foi privilegiado, obviamente, o novo trabalho, mas com espaço considerável para o de três anos atrás, “Melhor do que parece”. Algumas das novidades já parecem mostrar maior fôlego, como os anseios de “Eu vou” (não vou mais carregar / o peso e a dor que não são minhas); a confissão “Pegando leve” (me cansam tantos hipsters / e modernos de plantão / me cansa ser mais um), que já tem clipe, e “Volta e Meia”, que em estúdio registra participações de Shintaro Sakamoto e Devendra Banhart.
Já rodadas nas turnês anteriores, músicas como “Ai, ai, como eu me iludo”, com os metais apotéoticos já experimentados antes, e “Culpa”, do segundo e terceiro trabalhos, respectivamente, são alçadas ao status de hits para aquela plateia, já totalmente entregue.
No meio da apresentação, um pedestal a mais é colocado no centro do palco. De surpresa, sem ser anunciado, entra Lulu Santos em participação protocolar na canção “Lava”, que a banda gravou no novo CD do veterano, lançado havia apenas um dia.
O disco, ao sair há um mês, sugeria que o formato caberia melhor em teatro e não casas de show como o Circo. Ao vê-los todos sentados, isso parecia se confirmar. Ledo engano: Biel é um baterista vigoroso e Guilherme, um baixista preciso, enquanto Tim esbanja talento vocal e é ótimo guitarrista, mantendo também o órgão em algumas das músicas. No entanto, o que faz o show ficar realmente gigantesco são os metais, com solos catárticos e menção honrosa para o trompetista Amílcar Rodrigues.
É notável que, além dos arranjos bem trabalhados, as letras simples e de fácil assimilação estão na boca de seu público. Espera-se que este seja bom em sacar o humor e a ironia presentes em meio a recomeços. É inteligente e saudável rir de si mesmo e, para citar o comediante Paulo Carvalho, em entrevista à Pitaya Cultural, o humor denuncia o ridículo das coisas.
Nos agradecimentos finais, Tim reverencia seus parceiros de banda, dizendo que eram seus melhores amigos e músicos que ele conhece. A primeira parte fica evidente na alegria de menino de Biel, que ganhou um samba rock só pra ele, no melhor estilo Jorge Ben Jor, como um alívio cômico em meio aos dramas confessos e existenciais servidos em cerca de duas horas de espetáculo.
Atrás de mim, um senhor que aparentava pouco mais de 50 anos, havia comentado que veria O Terno pela primeira vez e foi muito bem recomendado como um “folk moderno”. Bem, sabe-se que quem recomendou o fez pelos motivos errados, mas o homem mostrava genuína empolgação, repetindo refrãos: “puta que pariu, eles são muito bons”.
O tom autocrítico da já conhecida “Melhor que parece”, que encerra o último bis, ganha contornos de mantra após sonoros “Ei Bolsonaro, vai tomar no cu!” vindos da plateia, recepcionados por gracejos dos paulistanos. Um refrão quase os consola: “tudo está melhor do que parece / eu olho e vejo tudo errado / faz tempo que está tudo certo”.
Avaliação: Excelente