Edson Luís, Presente!
Nem descobrimos quem matou a vereadora do PSOL Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes e já se faz necessário lembrarmos de outro episódio transformador na história do País e da importância da arte como ferramenta histórica.
Nesta quarta-feira (28), completam-se 50 anos do assassinato, no Rio de Janeiro, do estudante paraense Edson Luís de Lima Souto, em frente ao Restaurante Central dos Estudantes, conhecido como Calabouço. Durante uma passeata para protestar contra a alta do preço da comida no restaurante, Edson Luís, com apenas 18 anos, foi morto por um policial militar, o aspirante Aloísio Raposo, com um tiro à queima roupa no peito.
Na ocasião, outro estudante, Benedito Frazão Dutra, também foi baleado no peito e morreu poucos dias depois. Boletins de ocorrência registram que, no ato, pelo menos seis pessoas foram feridas por tiros. Além de Edson e Benedito, também foram alvejados Antônio Inácio de Paulo, Walmir Gilberto Bittencourt, Olavo de Souza Nascimento e Francisco Dias Pinto. Todos atendidos no Hospital Souza Aguiar, no Centro do Rio.
Esses foram os primeiros homicídios de estudantes praticados pela ditadura civil-militar iniciada em 1964. Durante o período, era comum que os militares desaparecessem com os corpos de “subversivos” e, para impedir, os colegas de Edson Luís levaram seu corpo baleado para que fosse velado na sede da Assembleia Legislativa do então Estado da Guanabara. No dia de seu enterro, que parou a Cidade, os cinemas de rua na Cinelândia exibiam três filmes: A noite dos Generais, À queima roupa e Coração de Luto. A repercussão foi tamanha, dando origem à Passeata dos Cem Mil, em junho, e muitos outros atos recebidos com violenta repressão do regime, e culminando na instauração do AI-5, em dezembro do mesmo ano.
Oito anos depois, Milton Nascimento lançou “Menino”, inspirada em Edson Luís, em parceria com Ronaldo Bastos. A canção, também gravada por Elis Regina em 1980, começa com os versos “Quem cala sobre teu corpo / Consente na tua morte”, e encontra eco no “Intertexto” do dramaturgo e poeta Bertold Brecht, que traz a emblemática “Como eu não me importei com ninguém / Ninguém se importa comigo”.
O mesmo Brecht, pouco depois da Segunda Guerra Mundial, lembrou que “a cadela do fascismo está sempre no cio”, instigando a necessidade de estarmos sempre vigilantes. Uma forma de não repetirmos erros – ainda que pareçam inevitáveis – é preservarmos a memória. A arte, com todas suas imprecisões históricas e licenças poéticas, é um dos instrumentos mais poderosos para cumprir esse papel.
Na noite de ontem (27), em evento realizado no Cine Odeon, na mesma Cinelândia, a atriz e cantora Zezé Motta declamou “Marielle, Presente”, música de Daniel Fernandes gravada por 24 cantoras, como Teresa Cristina, Olívia Hime, Ana Costa e Dorina. A canção, que será lançada oficialmente em evento na noite de hoje, lembra que “jamais apagarão o teu olhar” e prevê que a parlamentar “viverá em nós / Presente”. Presente, hoje e sempre, Edson Luís, Benedito, e tantos outros que tentaram silenciar, porque, diz outro verso, “somos nós a tua voz”.