‘A classe média no espelho’ oferece luz sobre atual período histórico
Livro do sociólogo Jessé de Souza radiografa como se formaram os estratos de classe e seus impactos na sociedade brasileira
O professor Jessé Souza é dono de um bom catálogo que, essencialmente, oferece aos leitores um novo exame dos livros de História e uma análise acurada sobre a formação de estratos de classe e seus impactos, principalmente na parcela menos favorecida da população. Com ‘A classe média no espelho: Sua história, seus sonhos e ilusões, sua realidade’, Jessé repete o êxito de obras anteriores (como ‘A elite do atraso’ e ‘A tolice da inteligência brasileira’) e constrói um rico panorama, que joga luz sob uma tema frequentemente ignorado: como se dá a formação da dita classe média (e suas subdivisões) e como tal grupo se vê refém de situações que parecem impossíveis de escapar: manipulação e controle de seus corações e mentes.
Para o sociólogo, a causa das desigualdades sentidas especialmente pelos mais pobres se enreda em diversas vertentes, com um aspecto em comum que se espalha largamente: o sequestro da inteligência através de um intricado jogo de poder. Em muitas das passagens cruas e contundentes da obra, o autor explica os porquês de personagens da classe média se enxergarem ao lado dos representantes das elites. A leitura é bastante didática e não requer conhecimento prévio sobre fundamentos e conceitos da sociologia, o que poderia jogar contra e fazê-la presa em si mesma. Outra escolha acertada é dividir o livro em sessões, há espaço para a explanação dos conhecimentos teóricos de Jessé que soam repetitivos para familiarizados com seu trabalho (mas tal aporte é necessário), o desenvolvimento e a cereja do bolo: entrevistas com personagens que compõem as variações e fragmentações de classe.
Nos depoimentos, há valiosas lições e reflexões com múltiplos personagens e situações que nos são familiares, como a do engenheiro que foi demitido e se tornou motorista de aplicativo para se sustentar e a visão mercantilizada de certos grupos que acreditam ser vanguarda social quando estão mais presos do que nunca em outra forma de servidão ao mercado. Algumas das falas não poupam os leitores, caso da trajetória de um banqueiro que explica com frieza e desdém o processo de lucro de seus clientes e as bases que, segundo ele, formam a cadeia de desigualdades fomentadas por esses grupos e a imposição de sua agenda nas variadas esferas de poder. Após as entrevistas, Jessé faz breve análise sobre seus personagens de forma ainda mais assertiva.
O senso crítico surge como contraponto essencial ao comportamento que tem se tornado frequente nas redes sociais — a falta dele e suas consequências, portanto, é combustível para que os cidadãos se sintam amortecidos e incapazes de reagir contra o que Jessé chama de maior assalto já realizado no país: o roubo da nossa inteligência. ‘A classe média no espelho‘ talvez atinja apenas uma parte de seu objeto de estudo, mas é fundamental para saber como estamos e, principalmente, para onde vamos caso as desigualdades se aprofundem.
Avaliação: Ótimo