Quinta temporada de ‘Black Mirror’ foca nos males das redes sociais

 em cinema e tv
  1. Série patina nas reflexões da vez, mas ainda segue firme

Após o episódio interativo ‘Bandersnatch‘, que dividiu opiniões, Black Mirror parece ter estacionado em um terreno um pouco mais firme em sua quinta temporada. Com três episódios escritos inteiramente pelo criador da série, Charlie Brooker, os assinantes da Netflix vão encarar reflexões que se conectam com suas realidades de maneiras mais palatáveis e urgentes. O trio de episódios, Striking Vipers, Smithereens e Rachel, Jack e Ashley Too ainda se debruça sobre a influência negativa da tecnologia na vida mundana mas, dessa vez, as inovações como vetores para a transformação dos personagens estão mais claras. Poderíamos dizer que esta leva de episódios se assemelha à primeira temporada e, principalmente, ao já clássico Hino Nacional, que deu início ao fenômeno.

Spoilers adiante! Assista aos episódios e volte aqui ou leia por sua conta e risco. Vou deixar uns gifs bacanas caso você não queira ler.

Filmada em São Paulo,Striking Vipers, que dá nome a um jogo de videogame de luta, mostra os amigos de longa data Danny Parker (Anthony Mackie, o Falcão do MCU) e Karl (Yahya Abdul-Mateen II, o Arraia Negra de Aquaman) desenvolvendo um relacionamento dentro do game, com Danny controlando um lutador homem e Karl, uma mulher. Danny, casado com Theo Parker (Nicole Beharie) e pai de um menino, mostra sinais de enfado com seu casamento, apenas satisfeito nas aparências. Presenteado pelo amigo em seu aniversário com uma nova versão do clássico, que garantia horas de diversão aos dois no passado, Danny descobre uma abordagem completamente imersiva, que coloca os usuários “dentro” da diversão. Não demora muito para que as trocas de golpes logo se transformem em carícias.

É uma pena que Vipers tenha a faca e o queijo na mão para abordar certos assuntos, mas o faz de forma superficial em diversos momentos. O episódio sugere que amizades entre homens também possuem contornos homoeróticos, mas a ideia é mal desenvolvida quando Danny e Karl finalmente resolvem falar sobre o assunto cara a cara. A sexualidade enquanto pulsão é tratada como um tema natural entre as partes virtuais dos dois, mas os debates apenas arranham as camadas que os atores desenvolvem em diálogos que poderiam ser melhor inspirados. Theo começa a desconfiar das atitudes do marido, que a relega cada vez mais. Quando confrontado, Danny abre o jogo sem sabermos o que foi dito, mas a solução do fim honra as tradições deBlack Mirror. Os atores fazem o que podem com o material (a química é forte entre Mackie e Abdul-Mateen) e Striking Vipers é bom, mas poderia mais, bem mais.

Smithereens, o melhor dessa leva, mostra um motorista de aplicativo (Andrew Scott, o Moriarty de Sherlock) fazendo ponto na sede da rede social que nomeia o episódio, em busca de pegar passageiros que trabalhem no local. Enquanto trabalha, Chris frequenta grupos de apoio para pessoas falecidas — ele perdeu sua noiva em um acidente de carro — e conhece a mãe de uma menina que busca incessantemente a senha da filha para uma rede social, em busca de informações sobre o porquê de seu suicídio. Paralelamente, o homem sequestra um estagiário (Damson Idris) do Smithereens e exige falar com o CEO da plataforma, uma espécie de mistura entre Twitter e Facebook, Billy Bauer (Topher Grace).

A tensão construída em torno do roteiro é bem feita e, conforme os motivos de Chris vão se revelando, é impossível não sentir uma certa empatia por sua ações, ainda que condenáveis. Sua noiva não foi morta por um motorista bêbado: o acidente aconteceu por Chris desviar o olhar da estrada para ver um alerta da rede social enquanto dirigia, matando ainda outro homem e colocando a culpa nele. Aos poucos, a atuação de Scott vai se mostrando cheia de camadas e o episódio também carrega os espectadores nas mesmas levas de sentimento, da pena ao luto. Como ponto negativo, Smithereens desenvolve bem apenas seu protagonista e todos os outros são relegados a participações pontuais, como se orbitassem diante dele. Faz sentido enquanto história, mas não combina com a qualidade do seriado. De todo modo, este é um dos melhores episódios de toda a antologia.

O mesmo já não pode ser dito de Rachel, Jack e Ashley Too, um dos mais fracos de Black Mirror. O segmento foca na cantora pop Ashley O (Miley Cyrus), cujas mensagens positivas acalentam o coração de Rachel (Angourie Rice), que perdeu a mãe recentemente e vive com a irmã mais velha (Madison Davenport) e o pai (Marc Menchaca, de Ozark), obcecado por construir armadilhas para ratos e pouco devotado às filhas. Há várias questões que são rasas neste episódio, a começar pelo bullying que Rachel sofre no colégio e a própria noção de luto, cujos efeitos estão presentes de forma muito discreta. Silenciosamente ela prefere se isolar e ouvir as músicas fabricadas de sua ídola e vai ao delírio quando uma inteligência artificial em forma de robô é lançada.

A vida de uma estrela pop, como manda o figurino inclusive já vestido por Miley, é marcada por insatisfações e Ashley mostra que gostaria de fazer canções destoantes das fabricadas e incentivadas por sua tia (Susan Pourfar), para o desgosto da própria.  A primeira reviravolta se dá quando Ashley é colocada em um coma forçado e, acidentalmente, desperta no robô de Rachel e muda a rotina das irmãs. A dublagem de Miley Cyrus é afiada e Rachel, Jack e Ashley Too tem seus melhores momentos quando vira um minifilme de assalto, onde o trio precisa chegar até a casa da cantora e desmascarar sua tia. Há bons insights sobre o que ser famoso, os exageros da indústria da música (há quem pague para ver hologramas) e o incentivo a ser você mesmo, mas tudo é feito de forma pouco inspirada — a sensação é de um “fimSan Junipero” sem o mesmo brilho.

No geral, a quinta temporada de Black Mirror tem mais acertos que erros e boas novidades no escopo de Brooker. Não é um produto sempre conciso, mas satisfaz os fãs e mostra que ainda há mais histórias para surpreender e pensar bastante sobre.

Avaliação: Bom

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