‘Irmandade’ derrapa em história de protagonistas, mas vale a pena pelos acertos

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Série sobre nascimento de facção criminosa em presídio de São Paulo tem ingredientes para ser incrível, mas roteiro derrapa ao entregar enredo aos protagonistas muito frágil e questionável

 

Irmandade’, série brasileira da Netflix que fala sobre o nascimento de uma facção criminosa dentro de um presídio, tinha tudo para ser incrível: a ambientação de São Paulo dos anos 90, excelente trilha sonora, boa fotografia, atuações impecáveis e uma condução de tirar o fôlego, com uma história que é conhecida do público brasileiro. Entretanto, roteiro derrapa ao entregar enredo aos protagonistas muito frágil e questionável.

Cristina Ferreira, interpretada pela excelente Naruna Costa, é uma advogada que trabalha no Ministério Público e cheia de ideais, muito com base na educação rígida do pai, que mesmo diante das diversidades e da vida precária na favela não queria os filhos andando no caminho errado. Isso é mostrado na distância que Cristina mantém do irmão, Edson, preso há 20 anos por porte de drogas e que foi entregue pelo próprio pai. O detento é interpretado à altura porSeu Jorge.

É nesse ponto que peca o roteiro do diretor Pedro Morelli, em parceria com outros co-autores. Após duas décadas sem ver ou falar com o irmão, o processo do irmão “cai” em suas mãos e, em seguida, ela é informada por Darlene (Hermila Guedes), mulher dele, que Edson é torturado na cadeia.

Dentro de sua conduta, ela tenta ajudar, mas contrariando toda a construção da personagem, decide falsificar a assinatura da chefe do MP para fazer uma fiscalização na cadeia e ajudar o irmão, que está preso em uma solitária.

O plano é descoberto e ela acaba demitida e presa. Acabou? Não, acontece outro “improvável”. Chantageada por um policial a trabalhar como informante para não ficar presa, ela aceita se reaproximar do irmão para entregar um dos líderes da Irmandade.

É nessa trama que se desenrola a série, cheia de intrigas e traições. Mesmo focando na questão da moralidade e o quanto ela pode ser facilmente destruída, colocar irmãos em lados opostos, ainda mais dois que não se falavam há décadas por conta da vida errada de um deles, foi forçado. A lealdade dentro das facções também se mostra fragilizada e só vale “até a página 2”.

A missão da Irmandade, denunciar os abusos do estado no sistema penitenciário e unir os presos, acaba fazendo a série focar também nas condições precárias que vivem os detentos nas cadeias, que potencializa mais o criminoso ao invés de recuperá-lo.

A história acontece nos anos 90, quando as facções criminosas no Brasil se consolidaram. Não coincidentemente, foi nessa década que nasceu e cresceu o Primeiro Comando da Capital (PCC) também em São Paulo, onde Morelli pode ter se inspirado, mesmo os produtores descartando a comparação.

O thriller é recheado de cenas de ação e muitas reviravoltas. Usar a final da Copa do Mundo de 94 como pano de fundo para uma fuga do presídio também foi um acerto da produção. A caracterização dos atores e a ambientação da época, com as ligações nos orelhões, os Opalas pretos da polícia e Del Rey dos criminosos dão todo clima nostálgico e uma boa fotografia.

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Outro ponto alto fica por conta dos atores que dão vida aos personagens. Seu Jorge e Naruna Costa tem excelente atuações, além de Pedro Wagner, que interpreta o outro líder da Irmandade, Carniça. O elenco também conta com Lee Taylor e Edmilson Cordeiro.

A trilha sonora é totalmente fora da curva de tão maravilhosa que é. Logo nos primeiros minutos do episódio inicial somos surpreendidos por Racionais MC’s, que nos presenteia com clássicos em Irmandade. Também faz parte Thaíde e outros grupos de rap que marcaram a década de 90, cabendo até espaço para o brega Amado Batista.

Para um espectador que aceite ignorar o erro da parte central da história envolvendo os protagonistas, é possível assistir Irmandade pelos seus acertos. O fim da temporada mostra que a “mocinha” pode ter definitivamente mudado de lado e, num caminho sem volta, a série pode ter muita lenha pra queimar. O primeiro episódio por ser visto gratuitamente para quem não é assinante.

Avaliação: Bom

 

 

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