Criando Dion: uma deliciosa ‘série de herói’ na Netflix
Lúdica e sensível, a produção de Michael B. Jordan traz a história de um menino negro que descobre novas habilidades
O roteiro parece batido – um incidente, alguém descobre poderes especiais, um vilão improvável, etc. Criando Dion, nova produção da Netflix, não foge à regra. Mas a riqueza mora nos detalhes. A começar pelo próprio Dion Warren (Ja’Siah Young), um menino negro de sete para oito anos, criado pela mãe em Atlanta, nos EUA. Seu pai, o cientista Mark (Michael B. Jordan, em flashback), morre durante uma tempestade e deixa as dificuldades de se criar uma criança para a mãe, Nicole (a talentosa Alisha Wainwright).
A produção-executiva de Jordan (Creed, Pantera Negra) é um dos pontos altos da série, baseada nos quadrinhos homônimos de Dennis Liu, trazendo a representatividade em diversas nuances. Além de ser protagonizada por atores negros, há um cuidado para discutir temas sensíveis como machismo, deficiência física e, claro, racismo. Um dos episódios mais emocionantes é quando o menino descobre o preconceito que sofreu e a forma com que sua mãe lida com o tema.
Tudo começa quando o cientista se dedicava a estudar tempestades e, durante uma viagem à Islândia, para acompanhar a aurora boreal, ele e os demais presentes, adquirem poderes variados após um incidente radioativo, inclusive o vilão, que o menino chama de Homem-Torto. Esse é uma ameaça constante para ele e os demais poderosos da série, capaz de criar temporais devastadores.
O melhor amigo de Mark, o engenheiro Pat (Jason Ritter), é padrinho da criança e está presente durante toda a trama. Leva Dion à escola, joga videogame com ele e o treina quando descobre suas primeiras habilidades. Capaz de mover objetos, a atmosfera lúdica é envolvente: uma graça em especial quando os brinquedos ficam sobrevoando a criança enquanto dorme.
Nicole, a mãe, é uma ex-dançarina que, depois de engravidar e perder o marido, precisa se “virar nos 30” para manter um mínimo de normalidade na vida do mini-herói. Wainwright é quem humaniza a série ao extremo, interpretando com precisão os dramas causados pela solidão, a profunda relação entre ela e o filho, as dificuldades financeiras e o machismo que sofre. Esse assunto, aliás, surge aos poucos e é abordado com um doloroso realismo: aquele cara legal é abusivo e, aqui, vai de um extremo a outro; todas as pistas foram dadas, mas a gente custa a perceber.
Dion, por outro lado, frequenta uma nova escola de maioria branca e sua melhor amiga é Esperanza (Sammi Hanney), uma menina deficiente física, carinhosa, com um senso de humor único, e que usa uma cadeira de rodas motorizada. A princípio, o menino, que adora ciência, tenta ignorá-la, pois também quer ser popular como outros colegas que andam de skate por aí. No entanto, o relacionamento dos dois cresce de um jeito que dá gosto de acompanhar. E rende belas lições, como quando ele a faz levitar, achando, inocentemente, que ela ficaria feliz por se livrar do veículo, e ignorando as particularidades de sua condição física. O carisma da dupla mirim é outro ponto altíssimo.
Adoçam, levemente, a trama a presença da irmã de Nicole, a médica Kat (Jazmyn Simon), a cientista Suzanne (Ali Ahn), que comanda a empresa onde trabalhava Mark, e a misteriosa Charlotte Tuck (Deirdre Lovejoy), por quem o pai de Dion dá a vida em uma “tempestade” em Nova Orleans. Os poucos personagens facilitam a criação de vínculo em um universo batido de super-heróis, organizações secretas e o governo. É preciso destacar, também, o famoso plot twist – a virada de jogo – eficiente, fazendo reconectar o espectador, se esse se perder apenas pelo drama e tiradas cômicas.
O tom familiar, as locações entre o campo e a cidade, a fotografia e os efeitos, que não comprometem, mas não se sobressaem, azeitam cada um dos nove episódios. Young, tão diminuto em estatura, transborda em naturalidade no papel. Sem a pretensão de reinventar o formato de “série de herói”, Criando Dion, tem algumas falhas no desenvolvimento, porém cumpre com folga sua missão de divertir e emocionar, preenchendo o roteiro com preciosidades que a diferenciam.
Avaliação: Bom