‘Doutor Castor’ revisita Castor de Andrade e mostra como a mídia ajudou a construir sua imagem

 em cinema e tv

Série documental da Globoplay traz trajetória do bicheiro como presidente do Bangu e da Mocidade, e como até hoje ele é defendido por amigos, entre eles Boni, ex-diretor da Globo

 

‘Doutor Castor’, disponível no Globoplay, conta a história do bicheiro Castor de Andrade. O documentário passeia pela história do contraventor tratado como “benfeitor” do clube Bangu Atlético Clube e da escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel. E como essa ligação, com o apoio da mídia, moldou sua “boa imagem”. Assista ao trailer no final do texto!

O documentário é sensacional por conta do gigante material audiovisual recuperado, que mostra todas as facetas do “capo de tutti capi”, principalmente à frente do Bangu e da Mocidade. Outro ponto alto são as entrevistas. As potências que as agremiações enquanto ele esteve à frente, conforme é apresentado, foi graças ao dinheiro do jogo do bicho

Com o dinheiro da contravenção, Castor construiu sua imagem e ajudou o clube da Zona Oeste a conseguir o título Carioca de 1966, além do vice-campeonato brasileiro de 1985, feito inédito nunca mais alcançado. Na Mocidade, o patrocínio começou na década de 70, mas o auge com títulos foi na década de noventa. 

A produção do núcleo de Esporte da Globo, dirigida pelo jornalista Marco Antonio Araújo, que também fez o roteiro com Rodrigo Araujo, traz o depoimento de jogadores da “era de ouro” do Bangu, que contam como era a relação com Castor, que ali era só o “doutor Castor”. 

Alguns pisam em ovos, evitam falar sobre a vida criminosa do Castor, mesmo décadas depois, enquanto outros abrem o jogo. Foi “em campo” que Castor ameaçou um juiz com uma arma durante uma partida do Bangu, como é mostrado no documentário, além de comprar árbitros, como revela entrevistados. 

O que impressiona em ‘Doutor Castor’ é a defesa do bicheiro por figuras como José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, ex-todo poderoso da Globo e amigo de Castor. “Eu não sou juiz nem nunca fui delegado. Pra mim, o jogo do bicho é apenas uma contravenção. Criminosos eram as pessoas que estavam no governo”, diz no documentário. 

Castor soube usar os holofotes para se promover e se defender | Reprodução

Outro amigo que o defende é o advogado Michel Assef, tanto no documentário quanto na época diante de acusações na Justiça. “Um bom ser humano, um ser humano exemplar. Ele era o rei do Rio”, diz. 

Políticos, assim como a polícia, ajudaram na ascensão do jogo do bicho no Rio. Em um dos episódios é exposta uma relação de pessoas que eram pagas com o dinheiro da contravenção para fazer vista grossa para os bicheiros, assim como doações para candidatos, como Fernando Collor e Paulo Maluf

A relação com a mídia é um dos pontos-chave da produção, que mostra como as câmeras ajudaram a construir a imagem de “cidadão de bem” de Castor de Andrade. Carismático e cheio de frases de efeito, ele teve todo o suporte dos meios de comunicação. Entretanto, a “mea culpa” não é assunto da produção e muito menos discutida. 

“Castor era o rei da imprensa. Não dava um passo, tanto o Bangu como a Mocidade, se não tivesse holofote”, diz Macula, atacante do Bangu entre 1986 e 1989. 

O documentário relembra uma icônica entrevista de Castor a Jô Soares, na época em que ainda estava do SBT. O bate papo é cortado por várias risadas, quando o bicheiro lembra suas aventuras, inclusive um assalto que sofreu. “Dei uma sorte muito grande que o assaltante me reconheceu e pediu desculpas”, fala, arrancando risos do Bira e plateia. Jô não participa da série documental.

Castor de Andrade em entrevista a Jô Soares | Reprodução

‘Doutor Castor’ entrevista também Aloy Jupiara e Chico Otávio, autores do livro ‘Os Porões da Contravenção’ (excelente, vale a leitura!), que narra a ascensão do jogo do bicho com o apoio da Ditadura Militar. Mesmo não sendo o foco do documentário, valeria explicar melhor essa relação, muito importante para ambas as partes. 

Presente até hoje no imaginário popular, o jogo do bicho foi responsável por criar figuras como Castor de Andrade, entre outros nomes da contravenção, que trazem um rastro de mortes e corrupção. Como mostra o documentário, a guerra está longe do fim.

Avaliação: Ótimo

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