‘Temporada’ mostra realidade sem máscaras e entrega beleza

 em cinema e tv

Filme lança um olhar honesto sobre a vida mundana, e mistura drama e humor na medida certa

O primeiro plano de Temporada se detém sobre uma rua da periferia de Contagem, em Minas Gerais. Acompanhamos o agente de endemias Russão (interpretado pelo ótimo Russo APR) tocar a campainha de uma casa. Ele se escora, cansado, no muro da residência. É uma rotina difícil caminhar por ladeiras daquela área, mas é seu trabalho. Logo, Russão ganha a companhia de Juliana (Grace Passô, excelente), vinda da Bahia, que aguarda a volta do seu marido para seguir adiante sua rotina de vida. À primeira vista, o filme de André Novais Oliveira parece enganar os espectadores mais desavisados, mas seu maior mérito é confiar na clareza do texto e na atuação de seus personagens principais, tão precisa quanto natural.

Em cartaz na Netflix depois de uma bem sucedida passagem por festivais independentes, Temporada se conecta com outras obras do cinema nacional recente como O Som ao Redor e Aquarius, de Kléber Mendonça Filho, justamente por seus viés naturalista. Novais acerta ao mostrar realidades diversas e equilibrar situações dramáticas ou cômicas. Em um momento, sentimos o drama de Juliana ao contar uma história forte de seu passado para sua prima em uma conversa informal na cozinha, para em seguida rirmos de uma situação banal que acontece no seu trabalho. É nesses pequenos grandes momentos que o filme mostra sua força, sem cair na condescendência ou apelação para ilustrar acontecimentos ditos banais.

Outra força-motriz do roteiro é a relação Russão-Juliana. Ela é a protagonista da história, mas o abre com ele diz muita coisa, principalmente nas conversas que se estabelecem entre a dupla. Em dado momento, ele revela uma paternidade inesperada para a colega e o diálogo que se segue é impagável pela naturalidade e crueza, uma conversa real, cheia de possibilidades e reviravoltas — dura pela mensagem nas entrelinhas, mas absolutamente leve na entrega. Essa mesma dualidade também carrega todo o filme: onde há tensão de alguma forma, também há resolução. A construção de vários laços afetivos (com os colegas, com estranhos nas visitas) é a marca da vida de Juliana que, conforme vai percebendo que algumas ligações nunca serão restabelecidas, reforça por si mesma outras ‘áreas’.

Os outros temas sociais, como desemprego e racismo, estão nas entrelinhas, mas são facilmente identificáveis. A intenção de Novais, porém, não se dilui apenas entre o que é direito ou indireto. A mensagem clara de Temporada é essa: há que se prestar atenção na beleza (e também melancolia, alegria) em todas as coisas. De uma simples ida a uma cachoeira até o observar do horizonte após momentos de vertigem e tensão. Por apresentar uma realidade sem máscaras, de forma bem construída e nada óbvia, é que o filme tem êxito. E, como aquela beleza que não chama atenção de primeira, vai reaparecendo e ficando lentamente com quem assiste.

Avaliação: Ótimo

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